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James Green e Renan Quinalha discutem a violência contra homossexuais durante a ditadura militar e na atualidade

Dec 15, 2014

Crianças. Mulheres. Homens. Todos sofreram atrocidades nos braços da repressão no período da Ditadura Militar (1964-1985), por meio de suas organizações nefastas espalhadas pelo Brasil como o DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna) e o DOPS (Departamento de Ordem Política e Social). Nesse contexto, gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais também foram alvo da violência e da perseguição pelo regime, mas o assunto nunca teve a devida repercussão.

Com objetivo de contribuir para uma análise interdisciplinar das relações entre o período e as homossexualidades, James Green, famoso historiador brasilianista da Universidade de Brown (EUA), e Renan Quinalha, integrante da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva”, organizaram o livro Ditadura e homossexualidades: repressão, resistência e a busca da verdade, lançamento da EdUFSCar. (Na foto, James Green, Renan Quinalha e demais autores, durante a sessão de lançamento realizada no dia 27 de novembro, na Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo).

Nesta entrevista, os organizadores do livro abrem o jogo sobre temas contemporâneos, como a violência e o preconceito com os homossexuais, comparando a atual situação com a vivida no regime militar, além dos principais desafios deste árduo trabalho de trazer a luz da verdade do nosso passado em busca da justiça em nosso presente.

A relação entre a ditadura e os homossexuais é ainda pouco explorada no Brasil. Como surgiu o interesse em trabalhar essa temática?

O interesse nessa temática ainda pouco explorada é fruto de um denominador comum que marca a trajetória pessoal e de pesquisa de todos os colaboradores do livro: a preocupação com o aprofundamento da democracia e a luta pelo respeito à diversidade sexual em nosso país.

Entender a relação entre a ditadura e homossexualidades, como se dizia à época, é bastante desafiador, por conta da ausência de uma produção acadêmica mais profunda que se mostre capaz de analisar, com o devido cuidado, os temas relacionados às sexualidades dissidentes e suas relações com as mudanças que marcaram o regime de 1964.

Do cruzamento entre a ditadura e a homossexualidade, diversas questões emergem de plano. Quais foram os efeitos da ditadura no cotidiano de mulheres que amavam outras mulheres, de homens que desejavam outros corpos masculinos ou mulheres e homens que se recusaram a reproduzir as noções e o comportamento hegemônicos de gênero? A situação de gays, lésbicas, travestis e transexuais piorou ou melhorou sob a ditadura durante os anos 60, 70 e 80? Houve uma consequência real na vida do “homossexual comum” quando os generais substituíram os civis no governo, quando a Lei de Segurança Nacional fortaleceu o poder arbitrário do Estado, quando a censura passou a exercer maior influência sobre a produção cultural e quando o novo regime acabou com as liberdades democráticas impondo uma moral baseada em valores conservadores? E o movimento social LGBT, então em incipiente organização, como foi afetado por essa conjuntura específica?

Essas são algumas questões que os artigos do livro buscam discutir.

Quais foram os critérios para a reunião dos artigos? Eles já existiam, foram colhidos durante a CNV ou feitos especialmente para o livro?

Os artigos presentes no livro são fruto do trabalho de diversos pesquisadores que, cada um em sua área, estavam preocupados com a ditadura, com as homossexualidades e com o cruzamento entre ambas as temáticas. Todos foram muito generosos em preparar textos originais que sistematizassem suas respectivas pesquisas especialmente para esse livro.

Não há dúvida de que as pesquisas se referenciavam a um mesmo campo temático, ainda que isso não estivesse tão claro diante da ausência de um diálogo mais direto entre elas.

Nosso esforço foi no sentido de aproximar essas reflexões que estavam dispersas para conferir maior potencialidade analítica e política para as pesquisas, considerando o contexto peculiar atualmente vivido no Brasil no que se refere ao trabalho de memória e de justiça em relação às violações de direitos humanos da ditadura militar.

Assim, ajudamos a organizar duas audiências públicas das Comissões da Verdade em São Paulo com a participação de vários colaboradores do livro que se constituíram em marcos fundamentais para pautar a visibilização da questão LGBT na reconstrução das memórias sobre a ditadura, pressionando esses órgãos de Estado incluírem em seus relatórios as violências cometidas contra as pessoas LGBT.

Quais foram as principais dificuldades em organizar essa obra?

A maior dificuldade foi encontrar, no curto espaço de tempo que nos restava para influir diretamente nos trabalhos das Comissões da Verdade, um conjunto representativo de pesquisas capazes de refletir a amplitude e a diversidade desse universo LGBT durante a ditadura.

Foi preciso fazer determinados recortes que permitissem a edição do livro em um prazo exíguo de modo a possibilitar a colaboração com as Comissões da Verdade, para não perder essa oportunidade histórica de visibilização da repressão e da resistência dos homossexuais durante a ditadura.

Após as eleições presidenciais houve uma manifestação em São Paulo pedindo a intervenção militar. Como vocês enxergam esse momento?

Vivemos um momento privilegiado para refletir sobre as heranças nefastas da ditadura em nossa democracia. As lutas incansáveis dos familiares de desaparecidos políticos e ex-presos políticos durante todos esses anos renderam frutos importantes, como a condenação do Estado brasileiro na Corte Interamericana de Direitos Humanos para rever a interpretação da Lei de Anistia para punir os torturadores, as ações de responsabilização penal movidas pelo Ministério Público Federal e a própria criação das Comissões da Verdade.

Está claro que muitos dos bloqueios e limitações existentes em nossa democracia se devem ao legado que a recente ditadura deixou entre nós: violência das polícias, submissão incompleta das corporações militares ao poder civil, limitações a direitos e a liberdades fundamentais para pessoas mais pobres, desprezo aos direitos humanos em uma cultura política autoritária, dentre outros.

Diante dessas conquistas, é natural que haja reações conservadoras. Há uma minoria descontente com os avanços democráticos recentes em nosso país que recorrem a demandas por intervenção militar, como essas eleições demonstraram, mas isso não é representativo e nem reflete um desejo de parte importante da sociedade brasileira.

Um dos grandes tabus durante as eleições este ano foi em relação ao casamento gay, com muitas pessoas se colocando contra. Na visão de vocês, o que mudou com relação à homossexualidade hoje em comparação ao período militar?

Não temos dúvidas de que a tolerância e o respeito aos homossexuais e a suas formas de vida aumentaram significativamente desde a ditadura, quando a homofobia contou com respaldo de órgãos de Estado.

As manifestações preconceituosas que surgiram durante essas eleições foram repudiadas por outros candidatos e pelas redes sociais, que são hoje um instrumento importante para o movimento LGBT.

Assim, a despeito da permanência da violência contra homossexuais em nível alarmante, essa consciência de combate ao preconceito é uma importante conquista que se intensificou.

Qual foi o impacto da violência de Estado praticada contra os homossexuais na ditadura?

A discriminação contra pessoas LGBT não surgiu durante a ditadura militar. Suas origens remontam a períodos muito anteriores na história brasileira.

A homofobia e a transfobia sempre estiveram presentes nas mais diversas esferas da vida social: em discursos médico-legais, que consideravam a homossexualidade uma doença; em discursos religiosos, que condenavam o ato como pecado; em visões criminológicas, que tratavam pessoas LGBT como um perigo social; em políticas públicas que não reconheciam a cidadania desses segmentos “desviantes”; e em valores tradicionais que desqualificavam pessoas que não se comportavam segundo padrões considerados “normais”.

Entretanto, é possível afirmar que a ditadura constituiu um marco fundamental para configurar os contornos e os deslocamentos da regulação das sexualidades e dos modos de justificação de violência contra LGBTs.

Uma lista das violências, mesmo que incompleta, impressiona: perseguição a travestis nos pontos de prostituição; “rondas” com prisões arbitrárias intensificadas pelo delegado José Wilson Richetti no governo de Paulo Maluf; censura às artes que simbolizavam de forma aberta as sexualidades dissidentes, destacando-se a escritora lésbica Cassandra Rios; expurgos de cargos públicos (como 7 diplomatas cassados do Itamaraty em 1969 por “prática de homossexualismo, incontinência pública escandalosa”); difusão, pela imprensa, do preconceito contra os “desvios” para reforçar o estereótipo do “inimigo interno”; desarticulação do movimento LGBT e dos seus meios de expressão (como o jornal “O Lampião da Esquina”).

Ainda há uma grande violência contra os homossexuais no Brasil?

O Brasil bate sucessivos recortes nas taxas de violências por orientação sexual e identidade de gênero. Os índices da homofobia e da transfobia, em atos e discursos, são alarmantes: pelo menos 216 vítimas assassinadas de janeiro até setembro de 2014, segundo estimativa do Grupo Gay da Bahia.

Impossível ignorar os laços que unem essas violências a esse passado tão recente. Nomear e jogar luz sobre essa dimensão moral e sexual da repressão é uma maneira de começar a avançar no combate dos preconceitos que marcam a sociedade brasileira ainda hoje. Vivemos um momento privilegiado para traçar essa ponte entre o passado e o presente com as Comissões da Verdade.

 Ditadura e homossexualidades

Mais informações sobre os livros publicados pela EdUFSCar estão disponíveis no site www.editora.ufscar.br

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