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Verdades inquestionáveis: quando enganamos a nós mesmos

Feb 05, 2006

Repetida por pesquisadores, professores, bibliotecárias, contadores de história, o prazer associado à leitura virou um slogan de incentivo ao ato e ler. O que pode não ser uma verdade.

O país não cresce por causa da dívida externa. Brasileiro é um povo pacífico. Mensalão não é surpresa, político é tudo corrupto mesmo. Doenças incuráveis serão curáveis com pesquisas de células-tronco. Olha que está na hora de mais uma fornada! Venha freguesia. Respostas quentinhas, enfornadas, de todas as medidas e de vários sabores, prontas para serem consumidas. Nossas dúvidas com os dias contados. Nenhuma pergunta sem resposta. Nunca mais a angústia da incerteza. Em conversa de metrô, de ponto de ônibus, na parada para o café em intervalos do ambiente de trabalho, no elevador, com o taxista, em pesquisas acadêmicas, em falas de estudiosos, em discursos políticos e em matérias jornalísticas, as respostas prontas e acabadas fermentam, crescem, compactam, viram verdades absolutas. Alguns momentos por ingenuidade, muitas por objetivos pré-definidos e outras milhares de vezes por falta de espírito crítico, não resistimos à tentação facilitadora dos clichês, expostos em vitrine, organizados por cores, tamanhos, modelos, fáceis de localizar para ser sacado da cartola. Suas exaustivas repetições na posição confortável da explicação rápida dos fenômenos – e fim de papo – transformam as idéias pré-concebidas em slogans para um consumo que educa o outro e eleva a opinião pública.

Se a resposta é tão simples – melhor seria dizer, simplista –, porque as soluções parecem tão complexas? As respostas embaladas, prontas para o consumo em 15 segundos, são sempre insuficientes, quando não falaciosas. E não se trata de ignorar o saber local, aquele que ainda não passou no crivo do pensamento metodológico, tem origem na sabedoria da prática cotidiana, o que os pesquisadores denominam preconceituosamente de senso comum. Muitas vezes os produtores e os consumistas das done-answers somos nós, “criadores” de conhecimento e “formadores” de opinião, esquecidos de nossa responsabilidade-mor de estabelecer uma mediação social, um diálogo respeitoso de relação com a sociedade.

Pensamento complexo e senso crítico são qualidades indispensáveis a todos os cidadãos, principalmente aos que se dedicam à compreensão do mundo por meio da pesquisa científica, buscando abordagens que resultem na transformação de atitudes, o que certamente não se dará na repetição de slogans. Respostas reducionistas não explicam, muito menos compreendem o estado caótico dos elementos interdependentes do Universo.

Foi com este alerta lido em autores como Hannah Arendt [1] que passei a problematizar, depois de dois semestres de crença engajada, a premissa de que leitura – meu tema de dissertação – é prazer. Repetida por pesquisadores, alunos (colegas) de pós-graduação, professores de escolas de ensino fundamental, bibliotecárias, contadores de história, políticos, o prazer associado à leitura virou de fato um slogan em campanha nacional de incentivo ao ato de ler. O que pode não ser uma verdade.

Até o século 19, nos anos anteriores à Revolução Industrial, a leitura era assunto de minoria, fosse ela de romances, escrituras divinas ou de textos mais ligados ao conhecimento, à profissionalização. Com o crescimento da participação da população nos assuntos do Estado, a invenção da imprensa, a expansão dos conhecimentos a partir do momento que o ensino se transforma em questão pública (além de outros fatores ao longo da História que modificaram o comportamento e o pensamento do homem e da sociedade), a leitura, bem como o escrever e o contar, tornaram-se direitos irrevogáveis. A sociedade passou a reivindicar do Estado a garantia da escolaridade mínima. Em 1882, na França, estabelecia-se a Lei Jules Ferry para garantir a escola pública a todos os franceses, uma iniciativa que contaminou muitas repúblicas na Europa e espalhou-se por todo o mundo. Por muito tempo esta medida foi suficiente para que os concidadãos pudessem exercer o direito de ter educação.

Apesar de a educação ter se tornado um direito universal, garantido pelo Estado, alguns dados mostram a insuficiência desta conquista jurídica. Um bilhão de indivíduos com idade superior a 15 anos é o dado citado no relatório da Unesco como o total de pessoas “incapazes de ler e escrever uma exposição simples e breve de fatos relacionados com sua vida cotidiana”. Desse bilhão, 500 milhões estão na Índia e na China, e 170 milhões na África. Em resumo, um quarto da população mundial, entre adolescentes e adultos. E estes dados assustam mais por não se tratar de um número de iletrados, mas por mensurarem os analfabetos funcionais – pessoas que estiveram nas escolas, obtiveram certificados, porém saíram desabilitadas com os três objetivos básicos da educação escolar: ler, escrever e contar. A escola, em países ricos, emergentes ou pobres, forma, paradoxalmente, indivíduos analfabetos funcionais. Não escapam nem os Países Baixos, com civilizações de “primeiro mundo”, onde o iletrismo funcional, moderado ou grave, atinge 24% da população. Dois em cada dez adultos dinamarqueses apresentam dificuldades para ler narrativas, textos informativos, textos esquemáticos (tabelas, gráficos) e até mesmo formulários para preencher.

O problema é de escala mundial e mostra correlação à idade, à escolaridade e à renda do indivíduo. O agravamento se dá conforme o aumento da idade, atingindo 4% dos jovens entre 18 e 20 anos, 20% dos adultos entre 45 e 59 anos e 30% a partir dos 60 anos. Com relação a variável idade, pelo menos dois fatores devem ser considerados para a interpretação dos dados: maior acessibilidade às escolas que diminuiu o índice de analfabetismo e vem aumentando os anos de escolaridade média, e a constatação da baixíssima freqüência das atividades de leitura com o envelhecimento do cidadão. Quanto à renda, os analfabetos funcionais dividem-se em 26% dos desempregados e em 23% para quem tem renda inferior a três salários mínimos. Nos países em que o Governo não consegue proporcionar educação escolar gratuita a todos, sabe-se que o nível econômico acarreta diferenças nas possibilidades educativas e, por conseguinte, à capacidade de leitura.

Por outro lado, existem pesquisa que apontam para as diferentes performances de acordo com o material lido. Apenas uma pessoa entre mil não reconhece a palavra “milk” no desenho de uma garrafa, mas uma entre cinqüenta não compreende as instruções de uso do telefone, e uma entre vinte não entende anúncios de moradia. As pesquisas não falam sobre eventuais incapacidades dos autores em estabelecer um ato de comunicação com seus leitores.

A leitura e a escrita são indiscutivelmente um problema social. Fala-se a nível global de uma crise da capacidade de leitura. Mas, na realidade, jamais tantos indivíduos foram capazes de ler e escrever. Nunca tantas pessoas freqüentaram as escolas, nunca se vendeu e se consultou tantos dicionários, enciclopédias, revistas, jornais, manuais, brochuras etc. O nível escolar e a média de utilização da escrita não cessam de crescer na Era dita “da Informação”. De onde vem, então, a crise? Nos Estados Unidos, em 1870, 20% da população declarava-se iletrada, caindo esta porcentagem para 0,6% em 1979. Em 1910, um quarto da população não ia além do quarto ano de escolaridade: em 1980, só era o caso de 3,3%. Na França, em 1880, ou seja, pouco antes da obrigatoriedade escolar, perto de 17% dos convocados para o serviço militar não sabiam escrever o nome; um século mais tarde, em 1984, isso ocorria entre 0,76% dos que se apresentavam.

Além disso, não parece ser verdade que o nível de leitura dos alunos diminua com as gerações. Em 1978, a Universidade de Indiana, nos Estados Unidos, realizou o estudo Then and Now: Reading Achievement in Indiana [2], que revelou que os estudantes norte-americanos de 1976 eram melhores, inclusive na leitura, que os de 1945, utilizando os mesmo testes daquela época. Em Nova Iorque, com a pesquisa Some comments on the relantionship between scores on the 1973 and 1982 editions of Stanford Achievement Test [3], o mesmo foi detectado. De onde vem então a crise?

No Brasil, cerca de 86 milhões de pessoas com mais de 14 anos de idade formam uma população de alfabetizados. De acordo com pesquisa Retrato da Leitura no Brasil [4], feita pela CBL em 40 cidades espalhadas por todas as regiões do País, 62% desse contingente afirmam que gostam de ler, enquanto que 30% haviam lido um livro nos três últimos meses que antecederam a pesquisa, e 20% tinham lido apenas uma obra no último ano.

No século 21, com certeza as pessoas não são mais as mesmas, muitos paradigmas mudaram, e muitas questões, como o ato de ler, podem estar sendo vistos de forma indevida e devem ser permanentemente repensado. Ler é uma tarefa comprometida com seu tempo e, com a propagação da eletrônica, a linguagem verbal não dá conta, por si só, do emaranhado de conhecimentos que permeia a realidade. Apenas em situações especiais pode-se falar hoje em leitura apenas do verbal, já que muitos “textos” articulam diferentes linguagens. O que há historicamente é uma sobrevalorização da leitura verbal e, dentro desta, a leitura de textos literários. Hoje, os livros não são os meios de difusão cultural mais disseminados, como ocorria no século XIX. Do ponto de vista social, geográfico ou etário, o rádio e a televisão ocupam o lugar do livro de outrora.

A predominância da literatura é herança de quando esta assumia o papel de expressão artística e cultural de um povo, além da funcional articulação desta a favor da autonomia por meio da consolidação e propagação da língua nacional. O privilégio da literatura sobre as demais artes foi construído pela ênfase no caráter histórico da escrita enquanto meio de construção simbólica do homem. Entramos neste século com uma rica gama de produções simbólicas, inúmeras tentativas de organização de um cosmo possível.

Em seu livro Fotografia e História [5], Bóris Kossoy nos ensina uma noção importante a respeito das instâncias de realidade. Ele separa uma primeira realidade, as dos fatos em si, de uma outra realidade, a segunda, reconstruída em cima da primeira. Se a primeira realidade se refere ao fato propriamente dito, independente do registro fotográfico, ou seja, o contexto de onde o assunto selecionado foi imobilizado pela câmara escura, a segunda realidade significa o produto final do trabalho fotográfico, isto é, a representação material daquele assunto selecionado (KOSSOY, 1989). Ampliando mais esta noção, temos que a realidade é reprocessada no indivíduo, e sua reorganização - como um produto cultural - é uma outra instância de existência de uma realidade que não a dos fatos ocorrentes. Neste ato de reprocessar, o homem filtra a primeira realidade com olhos enviesados pela cultura, pelo histórico de vida, ações, pensamentos e ideologias. Contamina a realidade com sua percepção de mundo contextualizada em um momento histórico, um estilo de vida, uma maneira social de pensar. O ato de leitura deve compreender esta convivência efervescente com a música, a pintura, a fotografia, o cinema e outras formas de utilização dos sons e das imagens, outras produções simbólicas, outras artes que procuram organizar e compreender o mundo. Linguagens que não são alternativas, mas complementares, que se articulam. É essa interdependência que deve ser explorada no ensino de leitura, quando o objetivo é exercitar a capacidade de compreensão dos leitores.

Foi estudando os leitores que se descobriu que as pessoas lêem sim, ainda que não sejam os clássicos. Os resultados em pesquisas de opinião sobre leitura desagradam os intelectuais: mesmo percebendo que a maioria diz que gosta de ler e que tem livros em casa, a decepção surge quanto ao que se lê, escolhas que se afastam da dita alta literatura. O slogan que o leitor extrai do livro um conhecimento de mundo frustra ao saber que as casas estão cheias de Bíblia, de cartilhas e livros didáticos.

Com tantas informações que chegam às pessoas, não mais exclusivamente via professor, escola e livro, aquela decorrente da educação formal, principalmente pela mídia. A grande questão a ser focalizada não são os frustrantes dados de que a população não saiba ler as coisas mais simples do cotidiano e que a escola não dá conta de ensinar isso, mas sim o fato de que nunca em toda a história da humanidade houve uma demanda social tão pungente em matéria de capacidade de leitura e de escrita. As funções sociais e econômicas da leitura e da escrita multiplicam-se em números, importância e necessidade de inovação, criação: a realização de novas leituras.

Dentro deste contexto contemporâneo, algumas revisões sobre conceitos e premissas dadas à questão da leitura e conseqüentemente à escrita e à pedagogia são urgentes. Em outras palavras, numa visão de planejamento de marketing, de propaganda – no sentido de vender uma ideologia -, diante desta nova demanda de mercado, da identificação de um perfil diferenciado do público-alvo, surge a necessidade de uma revisão epistemológica, filosófica e inclusive mercadológica do produto. Como estamos vendendo o produto “leitura” à sociedade? As estratégias estão obsoletas? Devemos atender a que necessidades? E os desejos? Leitura, que produto é esse?

Todo planejamento de marketing inicia-se no aprofundamento do conhecimento do produto, do que se quer falar, ou seja, no resgate histórico do objeto focado. Uma primeira diferenciação faz-se necessária para separar o conceito da leitura como (des)codificação – identificar sonora e graficamente os elementos da palavra - da noção a qual se dedica este estudo, da leitura como fruição – identificação dos conceitos, dos nexos construídos, da linha de raciocínio e de apreensão.

Outra pergunta é: para que fim se presta a leitura? Em uma linha histórica dinâmica podemos encontrar diversas instrumentalização da leitura: ler para não ser enganado pela Igreja, ler para saber os verdadeiros ensinamentos da Bíblia, ler para não ser analfabeto, ler para conhecer os romances da moda, ler para responder um questionário, ler para passar de ano, ler para se diferenciar das outras pessoas, que, na idéia de competição de mercado, traduz-se em garantir o emprego, receber promoção, atualizar-se. Todas respostas prontas. Não que a leitura de fato possa realizar todas estas maravilhas, mas ela possui uma característica intimista que não garante nada para fora do indivíduo, e sim para dentro.

Os prazeres da leitura são múltiplos. Lemos para saber, para compreender, para refletir. Lemos para compartilhar. Lemos para sonhar e para aprender a sonhar. Lemos pela beleza da linguagem, para nossa emoção, para nossa perturbação. Ler é também esquecer. Na literatura filosófica a leitura foi muitas vezes comparada à alimentação. O texto é conforme nossa fome e nossa disposição momentânea, a gente engole, devora, mastiga, saboreia. Roland Barthes registrou em O prazer de texto que “ler é pastar”. Para Nietzche, “ler é digerir”. Ler é respirar. Daniel Pennac escreve “O homem (...) lê porque sabe que está só”, e explica, “o verdadeiro prazer de um romance reside na descoberta dessa intimidade paradoxal: o autor e eu”.

Julgamos tocar o texto, embora só tenhamos contato físico com seu suporte. O objeto e a ação, o livro e a leitura são confundidos como produto. Nenhuma campanha publicitária vende uma porcentagem de tabaco misturado com alcatrão, mas a atitude fumar; ou se este exemplo for politicamente incorreto, ninguém vende lauril éter sulfato de sódio, com cloreto de sódio, formaldeídos, extratos e água deionizada, e sim um shampoo para cabelos normais que deixam seus cabelos mais sedosos. Não é o livro, mas sim o texto que se transforma dentro de nós. Não lemos todos um mesmo texto da mesma maneira. Não lemos todos os mesmos livros, nem mesmo os mesmos desejos. Há leituras respeitosas, analíticas, leituras para ouvir as palavras e as frases, leituras para reescrever, imaginar, sonhar, leituras narcisistas em que se procura a si mesmo, leituras mágicas em que seres e sentimentos inesperados se materializam e saltam diante do leitor. A liberdade é indispensável para a experiência da leitura. O prazer de ler ignora os preceitos de normalidade regrada pelos que já sabem: os adultos, os professores, os críticos de literatura. Leitura é um ato de interação entre o autor, o texto, o momento e o leitor, um ato de comunhão, que não é específica da leitura, mas compartilhada com todas as formas da arte.

Pesquisadores preocupados com o crescente desinteresse pela leitura costumam dizer que o domínio da compreensão é uma condição prévia para que o prazer de ler possa se desenvolver na criança. Porém o que querem dizer com a palavra compreender? Será que haveria sempre um único entendimento possível de cada texto? É um erro encerrarmos o prazer de ler num espaço murado por regras de interpretação. Ou o prazer é livre, ou não é prazer. Do ponto de vista da adequação à realidade é mais “seguro” a interpretação “correta” de um texto, mas não é essa a questão. Em nome do sacrossanto princípio da compreensão, matamos o prazer na origem.

Ao se ingressar no mundo da leitura, as crianças são induzidas a entender o texto à maneira de uma norma da elite, só assim há uma leitura “efetiva” que toma lugar de uma leitura afetiva. Sufoca-se a possibilidade de que as palavras lidas ativem um universo mental, conhecimentos e processos de raciocínio que não correspondem exatamente aos de uma voz que grita mais alta por uma minoria: os que tomam para si o título de sabedores. Cada leitor em sua unicidade possui seu universo mental, seus conhecimentos, seus processos de raciocínio, sua história de vida e de leitura que não correspondem exatamente a qualquer outro universo, muito menos há um universo abstrato visto como superestrutura.

A obrigação da leitura, e mais, a obrigação da leitura certa – aquela que os manuais, os questionários, os professores e a sociedade irão cobrar –, tira o fundamento de sustentação para que um leitor após os primeiros anos de alfabetização desenvolva condições para ler: o prazer. Um prazer alimentado não de verdades, mas de insólitos e de imaginação. E se a leitura não se torna prática, provavelmente também não se desenvolverá habilidades para tal.

Poderíamos pensar, então, que se a base do estímulo é o prazer, estamos caminhando certo, uma vez que o Governo Federal e todas as iniciativas públicas, privadas e não-governamentais, por decorrência do Ano Ibero-Americano do Livro (2005), divulgam campanhas publicitárias e projetos baseados no slogan ou na idéia “Ler é prazer”. Porém como se ensina aos indivíduos que a leitura é prazerosa? Como fazer com que a atividade de ler concorra ao ato de jogar videogame, assistir a um filme, jogar futebol e tantas outras ações do cotidiano de crianças, adolescentes e adultos que preencham o espaço simbólico do lazer?

Não se ensina o que é prazer. Apenas se mostra o caminho e se estimula a caminhar. A descoberta é totalmente individual e intimista. Só dizer que a leitura é uma forma simples e mágica de prazer é vender um produto distorcido, com uma propaganda enganosa. Da mesma maneira, é falacioso associar a leitura ao ócio, à alienação, à chatice ou ao prazer fácil. A leitura pode ser tudo isso, em momentos e com objetivos distintos. Ler, muitas vezes, se revela um trabalho árduo, doloroso, que exige disciplina, esforço, concentração, mas isso não lhe tira a porção que movimenta o leitor para frente, que o mobiliza, que o conquista. Existem pais que não gostam que seus filhos desperdicem tempo lendo fora dos estudos, e, como os pais, existem chefes, colegas, namorados e mesmo professores – quantas vezes não ouvimos histórias de repreensão de alunos por estarem com gibis escondidos debaixo da carteira. A tendência a acreditar nos efeitos perniciosos da leitura está ultrapassada: a leitura não tem o poder de fazer perder o juízo, nem, como se acreditava em outros séculos, de levar os românticos ao suicídio, não é estúpido, nem afeminado, e nem chegamos hoje a resposta definitiva de que leitura é prazer.

A leitura é uma ação que bagunça, que dispersa, que faz viajar, que desequilibra um cosmo com idéias, palavras, imagens, imaginação, pensamentos que não se organizam, a não no ato que a complementa, a ação contrária, aquela que organiza, que junta, refaz e cria um novo cosmo: a escrita, a arte e todas as formas de produções simbólicas que nos acomodam no frenético dinamismo do caos. Devemos ensinar a ler (capturar o mundo) para aprender a escrever (estarmos no mundo), para completar o fluxo de fora para dentro, de dentro para fora. Mas esta também não é uma resposta acabada pronta para o consumo. Em matéria de leitura, é mais seguro uma resposta do-it-yourself. Porque você lê, caro leitor.

Notas e referências bibliográficas

  1. ARENDT, H. A dignidade da política. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1993.
  2. Farr, R. Fay, L., Myers, J. & Ginsberg, M. (1987). Then and now: Reading achievement in Indiana 1944-45, 1976 and 1986. Bloomington (IN): Center on Reading and Language Studies. Indiana University, 1988.
  3. HARDCOURT BRACE JOVANOVICH. Test Department. Some Comments on the Relationship between Scores on the 1973 and 1982 Editions of Stanford Achievement Test (Special Report no. 4A). New York: Harcourt Brace Jovanovich, 1983.
  4. Retrato da Leitura no Brasil - A pesquisa foi feita sob encomenda e financiada pelas seguintes entidades ligadas à área do livro: CBL - Câmara Brasileira do Livro, Bracelpa - Associação Brasileira de Celulose e Papel, Snel - Sindicato Nacional dos Editores de Livros e Abrelivros - Associação Brasileira de Editores de Livros; a empresa que a executou, coletando dados entre dezembro de 2000 e janeiro de 2001, foi a A. Franceschini Análises de Mercado. Vide: Franceschini, Adélia (2001). Retrato da Leitura no Brasil. São Paulo: A. Franceschini Análises de Mercado/ Câmara Brasileira do Livro/BRACELPA/ ABRELIVROS/ SNEL.
  5. KOSSOY, Boris. Fotografia e História. São Paulo: Ática, 1989.
  6. BARTHES, Roland. O prazer do texto. Trad. J. Guinsburg. 4. ed. São Paulo: Perspectiva, 1996.
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Katiuscia da Cunha Lopes é publicitária, mestranda em Comunicação Social (Jornalismo) pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), ensaísta para as publicações São Paulo de Perfil e Novo Pacto da Ciência (ambos da ECA-USP), integrante do Núcleo de Pesquisa sobre Epistemologia do Departamento de Jornalismo, pesquisadora do projeto “Novo Pacto da Ciência – Crise de Paradigmas”, assistente do Fórum Permanente Interdisciplinar da Escola de Comunicações e Artes, webdesigner do Portal da USP e colaboradora do Jornal e Agência USP de Notícias, além de docente disciplina “A aventura de fazer jornal” para o grupo da Universidade Aberta à Terceira Idade na USP.

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