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Cultura e publicidade na sociedade digital

Jan 22, 2006

Este artigo se propõe a discutir as interfaces entre cultura e publicidade e como esta última atua em um ambiente extremamente complexo, dinâmico, conectado e fluídico quanto é a cultura digital.

O termo cultura é derivado da palavra latina cultura, que tem relação com o ato de cultivar o solo, ou seja, cultura é algo que tem que ser fomentado e que cresce em acordo ao incentivo que lhe dão.

Segundo o ponto de vista da semioticista Lucia Santaella (2003: 51), cultura é uma rede hipercomplexa de interconexões, e que expande e se comporta, praticamente, como a vida:

São quatro os princípios que governam a vida: ela tende a se expandir como um gás para ocupar todo o espaço disponível; ela se adapta às exigências do espaço que se tornou disponível; ela se desenvolve continuamente em níveis de maior complexidade; quanto mais complexo o nível de sua organização, mais rapidamente a vida cresce. Esses mesmos princípios se aplicam à cultura. Sua disposição para o crescimento é natural. Também como a vida, quando encontra condições favoráveis ao seu desenvolvimento a cultura se alastra, floresce, aparece, faz-se ostensivamente presente. (SANTAELLA, 2003: 29)

Atualmente a cultura é vista desde uma perspectiva dinâmica, com alto grau de complexidade, pois envolve as mais diferentes produções humanas em interações aceleradas.

Cultura é mistura (conf. Santaella, 2003: 30) – um agregado de formas variadas, gêneros distintos, linguagens diferentes, comportamentos múltiplos e gostos alternados, que constroem uma herança errática e cumulativa.

Cultura, principalmente, nas sociedades pós-industriais e pós-modernas se constitui por oferecer um leque de bens simbólicos, onde se esvai a distinção fechada entre erudito e popular, afinal com a cultura das massas tais definições foram postas de lado, ou misturadas em um conteúdo fácil de ser consumido e preparado para a população urbana, da qual se constituía a sociedade do séc. XIX e início e meio do séc. XX.

Cultura é compreendida como um sistema geral, que abarca outros pequenos sistemas que se entrecruzam a todo o momento, gerando e criando diferentes conexões e produções, sem preocupações com limites de território.

Partindo do pressuposto que as culturas são cumulativas, ou seja, características e até mesmo suportes da cultura anterior conservam-se na posterior, podemos entender que as culturas oral, escrita, impressa, massa e midiática podem aparecer sob os mais diferentes aspectos na cultura digital.

Tais divisões e definições das culturas em oral, escrita, impressa, massa, de mídias e digital podem ser encontradas no livro Cultura e artes do pós-humano de Lucia Santaella. As divisões não são excludentes, ou seja, as culturas seguintes não excluíram fenômenos ou lógicas das anteriores, ao contrário, elas são cumulativas, por isso podemos falar em um alto grau de complexidade na cultura digital.

Ao pensar em tais definições devemos levar em conta momentos de predominância de determinados sistemas, que se mesclam com outros e acumulam funções e lógicas para os seguintes.

Vejamos, por exemplo, a cultura digital que entendemos como manifestando uma incrível propensão para que todas as linguagens se convertam ao código informático binário (0 e 1) e transitem por um espaço virtual, que chamamos de ciberespaço, produzindo uma cibercultura.

Antes da digitalização, os suportes eram incompatíveis: papel para o texto, película química para a fotografia ou filme, fita magnética para o som ou vídeo. Atualmente, a transmissão da informação digital é independente do meio de transporte (fio do telefone, onda de rádio, satélite de televisão, cabo). Sua qualidade permanece perfeita, diferentemente do sinal analógico que se degrada mais facilmente; além disso, sua estocagem é menos onerosa. Por isso mesmo, um dos aspectos mais significativos da evolução digital foi o rápido desenvolvimento da multimídia que produziu a convergência de vários campos midiáticos tradicionais. (SANTAELLA, 2003: 83-84)

No ciberespaço é possível fazer o download de livros narrados por grandes personalidades e escutá-los no IPOD, no Palm Top, no próprio computador, ou gravá-los para escutar em um toca CD. 

O que vemos nessa interação é a cultura oral – narrativas oralizadas dramatizadas – sendo usada para contar um romance, produto da cultura impressa (livro), dentro de um ambiente virtual, mas com uma possibilidade de escolha e conexão características da cultura midiática.

Obviamente, para que o romance digitalizado seja divulgado no ambiente virtual, informações foram escritas e disponibilizadas, sites criados e conteúdos oferecidos como forma de contar um pouco mais sobre o produto – portanto, a cultura escrita também está presente na digital.

Podemos ver, por este pequeno exemplo, que não são apenas os formatos, ou gêneros acumulados de uma cultura para outra, mas, também, uma lógica própria de cada mídia que é conservada, claro que, sofrendo alterações em virtude de tecnologias mais avançadas.

O antigo pager, receptor de mensagens de texto, não se esvaiu por completo da sociedade atual, sua função foi preservada pelo celular. Portanto, a lógica que imperava antes naquele sistema, migrou para outro tecnologicamente mais desenvolvido. 

É nesse dinamismo, nessa sociedade cumulativa que vive um forte momento de transição histórica entre uma realidade midiática, para uma digital que nos interessa pensar a função da publicidade hoje.

A publicidade e sua relevância

A publicidade como uma atividade econômica movimenta valores na ordem de milhões, seja por investimento nos meios de comunicação, seja no fomento de atividades relacionadas, como produção de brindes, material impresso, fornecedores na área etc.

Por ser uma atividade que movimenta altas somas, ela já tem lugar de destaque em nossa sociedade capitalista e neoliberalista, quando possível.

A publicidade, em termos sociais, encarrega-se de disseminar valores, comportamentos e estilos. Suas imagens poderosas invadem os espaços públicos e privados, com sínteses de ações esperadas dos novos consumidores, fornecem dados preciosos a respeito de produtos e onde encontrá-los. Movimentam conteúdos superficiais, voláteis e fáceis de serem consumidos, contribuindo para a dinâmica da sociedade atual, ou seja, colocando em movimento a cultura existente.

Politicamente a publicidade, na sua vertente como propaganda, dissemina ideologias, com perspectivas de apreciação do mundo diferenciadas; contrariamente, nossa sociedade pós-moderna desvaloriza visões sérias e comportamentos ideológicos radicais, transformando a propaganda política em mera publicidade.

Como lógica, a publicidade, manifesta-se em quase todas as linguagens existentes em nossa sociedade, afinal ela prima pela visibilidade, estetização, agradabilidade e consumo de bens simbólicos. Por isso mesmo, as linguagens atuais absorvem suas técnicas e lógica, pois elas, também, produzem bens simbólicos e querem vê-los consumidos.

Por exemplo, um shopping center planejado por um arquiteto já contém em sua estrutura básica espaços para a publicidade. O programador visual deste mesmo empreendimento desenvolverá um layout interno pensando nas possibilidades de divulgação das lojas, produtos, para isso criará espaços nas paredes, escadas rolantes, praças de alimentação e assim por diante.

A arquitetura como linguagem absorve a lógica publicitária da visibilidade e do consumo, assim como outras linguagens em nossa sociedade.

A publicidade e os meios de comunicação

Como principais formas de conexão da sociedade atual os meios de comunicação são partes importantes, integrantes e indissociáveis da rotina pós-moderna. Eles se constituem como componentes do próprio tecido social e são permeados pela publicidade.

Economicamente, a publicidade, viabiliza em maior escala a sobrevivência e o lucro dos meios de comunicação, pois é pela compra de espaços e a veiculação de anúncios que as mídias obtêm seu maior retorno. Talvez, isto justifique o aumento da quantidade de páginas destinadas à publicidade nas publicações impressas, enquanto no Rádio, na TV e no Cinema há a regulamentação do total de horário de programação que se destina à veiculação de anúncios.

Além do fator econômico a publicidade como linguagem está presente na própria programação das emissoras. Programas como “Na hora do intervalo” do canal a cabo GNT fazem da publicidade seu tema principal, investigando suas relações culturais e, principalmente, revelando o humor em suas narrativas. Neste caso podemos ver como a publicidade se transforma em entretenimento.

No formato merchandising televisivo, ou tie-in, a publicidade se enrosca na trama dos programas tentando agir de forma sutil e não tão invasiva quanto sua contraparte de 30 segundos.
Em jornais, ou revistas vemos projetos especiais, como cintas, encartes, dobraduras, anúncios com cheiro, ou contendo algum tipo de brinde que avivam o meio impresso e lhe dá ares joviais, modernos e criativos, valorizando a própria mídia.
O mesmo acontece em outras mídias, como cinema e internet – a criatividade, como ferramenta básica da linguagem publicitária, transforma e agrega valor ao veículo.

A publicidade permitida

Pensar a publicidade hoje é levar em conta sua alta capacidade de adequação e versatilidade aos mais diferentes espaços e veículos, ou situações. Na cultura das mídias ela é encontrada em todos os meios de comunicação, pois facilita a interconexão dos mesmos, aumenta seus pontos de contato a como conteúdo transita quase que livremente por toda a rede.

Na sociedade capitalista a publicidade é vista como uma chance de aumentar a lucratividade do negócio, fazendo com que as mídias ofereçam espaços para veiculação.

Outro ponto relevante na cultura das mídias é que o receptor, antes passivo na cultura das massas, agora se acha ciente da sua capacidade de escolha e interferência nos conteúdos recebidos. A publicidade se desdobra em diferentes estratégias, tentando impactar seu público-alvo de forma permitida – assim nasce o marketing de permissão.

As empresas éticas não invadem o espaço virtual dos consumidores com mensagens que eles não querem receber, ao entrar em um site de seu interesse e efetuar algum cadastro é possível solicitar ou não o recebimento de conteúdo publicitário.

Com a cultura das mídias a publicidade toma ares éticos e responsáveis, pois a sociedade como um todo exige e valoriza este comportamento.

A publicidade, linguagem e sedução

Não existe apenas uma forma de sedução publicitária, mas sim um conjunto de técnicas, que requer um conhecimento do profissional em relação a algumas áreas como psicologia, sociologia, arte, cores, marketing, português, diagramação, semiótica, ou seja, um repertório geral e diversificado.

Este pacote de saberes visa à construção de uma linguagem com finalidades bastante específicas: comunicar algo, vender uma idéia, impactar o público-alvo, levar à ação.

Podemos pensar na sigla AIDA como uma norteadora do fazer publicitário, a sigla baseia-se:

(...) no pressuposto de que, para convencer alguém a comprar, é preciso colocar-lhe a consciência, sucessivamente, em quatro estados, a saber: Atenção, Interesse, Desejo e Ação.  (SANT’ANNA, 2001: 91).

Obviamente, o processo de impactar a consciência exige uma construção lógica da linguagem, tendo como fim esta alteração psíquica e comportamental.

A construção lógica da linguagem trabalha, inicialmente, com um planejamento que estrutura os principais aspectos relacionados ao produto/serviço/marca/idéia a ser divulgado, desde informações a respeito de como é, o que é, até aquelas que dizem respeito ao mercado de atuação, ao seu público-alvo e concorrentes.

A ação publicitária ou um anúncio isolado não acontece ao acaso, ele é fruto de um estudo prévio e síntese de informações relevantes a respeito de um contexto que envolve o produto/serviço/marca/idéia e outras variáveis.

A sedução, portanto, se inicia pelo conhecimento. É preciso conhecer aquele que se quer seduzir, para que se possa seduzi-lo. Após, estrutura-se a peça publicitária de tal forma, que vá ao encontro das necessidades (fisiológicas, segurança, afeto, auto-estima, realização) e desejos (alimentação e bebidas; conforto, casa e vestuário; liberação de ameaça e perigos; necessidade de ser superior, de possuir status; atração sexual; bem-estar da família; consideração social; vida longa e saúde) do público-alvo.

O anúncio ou a campanha é o que, efetivamente, é visto e sentido pelo consumidor, as etapas anteriores de levantamento de informações, decisões estratégicas e planejamento não são conhecidas. Sendo assim, é preciso que a linguagem traduza todo um vasto repertório em algumas peças veiculadas nos meios escolhidos.

A sedução se caracteriza pela captação da atenção do consumidor submerso em uma infinidade de outras mensagens. E ela só conseguirá fazer isso se utilizar técnicas como a boa estruturação de seus argumentos, a agradabilidade visual, o impacto pelo mistério, ou inesperado, o apelo sexual de bom gosto, o respeito à ética e aos limites morais do consumidor.

A correta estruturação dos elementos que compõem a linguagem publicitária, com base nas informações absorvidas no planejamento devem elevar o grau de eficiência e sedução da peça.

Publicidade e cultura

Historicamente a publicidade no Brasil teve uma fase de grande participação de literatos famosos como Olavo Bilac, Castelo Branco e outros artistas (conf. MARTINS, 1997: 31), portanto, as trocas culturais sempre ocorreram, mas obviamente seria difícil considerar a publicidade uma maneira de cultura nestes anos de 1920 a 1950.

Esta situação mudou em virtude das alterações aceleradas dos meios de comunicação, que hibridizaram todas as expressões culturais. A publicidade, por tudo já afirmado neste artigo, faz parte da dinâmica cultural das redes midiáticas e digitais.

Sua linguagem é parte do convívio social, das trocas simbólicas entre meios e entre pessoas, slogans como “Não é nenhuma Brastemp”, “Mil e uma utilidades”, “É fresquinho por que rende mais, ou rende mais por que é fresquinho?” são construções sociais que se replicam nos mais diversos ambientes, interligando repertórios e conectando comportamentos. Peças publicitárias de mídia impressa são usadas como ferramenta de ensino em sala de aula.

Cursos de graduação em faculdades, instituições do saber e da cultura, habilitam jovens aspirantes a pleitear uma vaga no concorrido mercado publicitário.

Órgãos como a Central de Outdoor expõem anualmente peças publicitárias produzidas para este meio, com o objetivo de escolher os melhores anúncios.

Os grupos de criação espalhados pelo Brasil editam livros, ou anuários de criação com as peças mais importantes, mais criativas e eficientes produzidas pela linguagem publicitária. Ou seja, gêneros exclusivos da cultura erudita são agora utilizados pela publicidade, como estratégias de permanência para uma linguagem tão efêmera e fugaz.

No entanto, pensando na dinâmica da cultura atual será que a própria efemeridade e fugacidade não são características incorporadas aos seus processos?

Performances, dos mais variados tipos são acontecimentos que na maioria das vezes se perdem, não são idealizados para permanecerem, instalações também seguem a mesma lógica, holografias são, por natureza, imateriais, sites que trabalham com poesia virtual podem desaparecer de um momento para outro. Ou seja, estas características foram absorvidas pela lógica cultural, sendo assim, por que não podemos considerar a própria publicidade como cultura.

Na cultura midiática e digital a publicidade é sim parte integrante dos seus sistemas. Portanto, respondendo à pergunta acima – atualmente a publicidade é um bem cultural e a tendência é que se torne mais importante, como forma de cultura, conforme a cultura digital se emaranhar nos processos sociais ainda reticentes.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GADE, Christiane. Psicologia do Consumidor. São Paulo: EPU, 1980.

MARTINS, Jorge. S. Redação Publicitária: teoria e prática. 2ª edição. São Paulo: Atlas, 1997.

SAMARA, Beatriz Santos, MORSCH, Marco Aurélio. Comportamento do Consumidor: conceitos e casos. São Paulo: Prentice Hall, 2005.

SANTAELLA, Lucia. Culturas e artes do pós-humano: da cultura das mídias à cibercultura. São Paulo: Paulus, 2003.

SANTAELLA, Lucia. Por que as comunicações e as artes estão convergindo? São Paulo: Paulus, 2005.

SANT’ANNA, Armando. Propaganda, teoria, técnica e prática. 7ª ed. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2001.

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Fábio Caim é publicitário, com MBA em marketing (ambas formações pela Universidade Anhembi Morumbi), pós-graduado em teorias e técnicas da comunicação e mestre em comunicação e mercado (pela Faculdade Cásper Líberto). Atualmente, faz parte do programa de pós-graduação do doutorado em comunicação e semiótica da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, é professor de publicidade e propaganda na Uninove e consultor em marketing e semiótica na Pluricom Comunicação Integrada.

Contato: [email protected]
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